sexta-feira, 3 de novembro de 2023

PRESO POR UM COPO D'ÁGUA

Ocorreu um grande roubo a banco. Não houve um só veículo de comunicação no país que não comentasse o assunto. O que mais chamou a atenção de todos foi a quantia recorde e o fato de não ter sido disparado um único tiro.

Virou o assunto do momento: mesa de bar, churrasco da família, aniversários e até reuniões em grandes empresas eram palco para conversas animadas sobre criminologistas de araque, investigadores de geladeira e gente confessando os sonhos que realizaria com o montante roubado.

Especialistas de internet, então, surgiram às centenas, dando suas versões mirabolantes de como tudo teria sido feito tendo as "vozes em suas cabeças" como fonte principal.

Passados cinco anos, as investigações não avançaram. O que se sabia àquela altura era o mesmo que se sabia horas após o roubo: um único homem, entre meio-dia e três horas da tarde, levou uma quantia absurda de dinheiro que só ficaria naquele banco por vinte e quatro horas. Ninguém havia visto, ouvido ou sabia de nada.

A cidade de Piraíba do Sena é uma dessas cidades minúsculas cujas edificações mais relevantes são a prefeitura, a igreja e a praça. O prédio mais alto da cidade é a sede do único comércio de secos de molhados da cidade: o Mercadão Sena. A cidade ganhou esse nome por causa do finado Aristides Sena, o primeiro prefeito da cidade.

A história que se conta é que o nome da cidade se deve a uma Piraíba de três metros pescada pelo então jovem Aristides quando ainda não tinha aspirações políticas.

No dia seguinte ao aniversário de cinco anos do famigerado roubo, um sedã de luxo para em frente ao bar do Correia. Do banco de trás do carro sai um homem bem vestido que se dirige à mesa onde bebem três piraibenses e lhes pergunta: quem é que manda nesta cidade? Os três se entreolham e um deles responde:

- O prefeito é o dr. V...
- Não, não, eu perguntei quem é que manda na cidade.
- Tem o delegado Pompeu e o padre Tomás.
- Não, eu quero saber é quem manda mesmo aqui. Quem manda no prefeito e no padre.
- Ah, então o senhor quer falar é com a dona Ernestina, mulher do prefeito - diz mais um dos piraibenses à mesa.

Depois da gargalhada geral, um dos homens à mesa franze o cenho e diz:

- O senhor quer falar é o com o dr. Luiz Antônio Sena, neto do velho Arisitides, que Deus o tenha (todos à mesa fazem o sinal da cruz). Ele é o herdeiro do "véio". É dono do maior comércio daqui e da maioria das casas de Piraíba. Inclusive da que está alugada para a amante do prefeito (riso geral). Ele ainda é dono do posto de gasolina na saída da cidade e da fazenda que fica atrás daquele morro ali (apontando para o morro).

- Então é com ele que eu quero falar. Onde ele mora?

- Na casa dele é difícil o senhor achar o homem. A maneira mais fácil de falar com ele é sexta-feira no bar de Zefinha Ferraz é lá que ele se encontra com o prefeito. Dizem as más línguas que até o padre já foi visto na mesa deles no bar de Zefinha. Como hoje é sexta-feira, é capaz do senhor encontrar ele por lá.

Ao cair da noite, o homem entra no bar e imediatamente nota uma mesa onde estão sentados três homens, cada um com uma mulher no colo. Como era a única mesa sobre a qual havia uma garrafa de uísque e eram os homens mais bem vestidos do local, percebeu que não precisava perguntar nada a ninguém.

À medida que dispensava, até com certa rudeza, as investidas das "funcionárias" de Zefinha Ferraz, caminhou reto em direção à mesa deles. Quando foi notado, abriu um sorriso e estendeu a mão ao homem à direita cumprimentando os outros dois em seguida. Após ser convidado a sentar à mesa e identificar-se formulou sua proposta aos três:

Abriu um aplicativo de um banco estrangeiro, estendeu seu celular em direção ao rosto de cada um e disse:

- Vou direto ao ponto: tenho nove milhões de reais em minha conta, são três milhões para cada um. A única coisa que preciso é que os moradores da cidade confirmem que nasci, cresci e moro nesta cidade caso apareça alguém perguntando.

Os homens arregalaram os olhos, se entreolharam e começaram a falar:

- O primeiro disse: eu sou Valdeci Pestana, prefeito de Piraíba do Sena, passe na segunda-feira na prefeitura para receber seu histórico escolar. Para todos os efeitos, o senhor estudou na E.M. Cremilda Sena do fundamental ao médio.

- O segundo disse: eu sou o padre Tomás, passe na segunda-feira na paróquia para receber sua certidão de batismo.

- O terceiro, mais falante, disse: meu nome é Luiz Antônio Sena, sou neto do homem que praticamente fundou desta cidade. Aqui, quem não trabalha pra mim, aluga uma das minhas casas. Não é meu prefeito? Perguntou sorrindo.

Na segunda-feira o senhor, por favor, ande pela cidade. O senhor só vai encontrar dois tipos de pessoa: gente que lembra do senhor brincando na rua quando criança e gente que foi seu contemporâneo na escola. Se o senhor não se importar, é capaz de ter até uma ou duas funcionárias minhas prontas a confidenciar sobre um namoro com o senhor no passado ao primeiro que perguntar.

Após fechar o acordo e sair do bar, pensou: esse acordo foi uma pechinha.

Na segunda-feira pela manhã, chegam à cidade centenas de repórteres e policiais.

Seguia à pé, algemado e escoltado até a viatura da polícia imaginando qual dos três o havia traído. Ao levantar a cabeça vê a dona do bar, Zefinha Ferraz no meio da praça, dando entrevista a uma repórter:

Uma das minhas funcionárias ouviu toda a conversa, moça. Depois que ele saiu, cheguei na mesa dos três e disse: quem manda nesta cidade sou eu! Se vocês fizerem alguma coisa para ajudar esse mão-de-vaca, na segunda-feira as mulheres dos dois e o bispo vão saber onde vocês se encontram na sexta-feira à noite. Como é que esse sujeito entra no meu estabelecimento, trata mal minhas funcionárias, senta na mesma mesa de Valdeci, Tomás e Luizinho, meus clientes VIP há anos e não pede um copo d'água? Não deixei barato!