quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

INCREDULIDADE E TRAIÇÃO

A primeira vez que o Luís Inácio da Silva concorreu à presidência foi em 1989, perdendo no segundo turno para Fernando Collor de Mello. Depois viria a perder mais duas, em 1994 e em 1998, ambas para Fernando Henrique Cardoso.

Em 1989 e ainda por muitos anos, o lema "política, futebol e religião não se discute" se manteria como consenso nacional. Ninguém concordava em nada sobre nenhum político. A falta de informação confiável era tanta, que passamos a acreditar que um político honesto era tão real quanto um unicórnio.

De um modo geral, o brasileiro médio estava pouco se lixando para o que acontecia nos bastidores da política. Como todos roubam, era melhor esquecer o assunto e tentar viver com que estava ao alcance dos olhos e do bolso.

A única alternativa que ainda não havia sido testada era um presidente de esquerda. Havia um modesto grupo com certo engajamento político, num tempo onde as informações dependiam de um certo esforço para serem encontradas. Não é como hoje, que tudo está ao alcance de meia dúzia de toques no celular. Para um povo que havia condenado a política ao ostracismo, esse magro conhecimento político desse modesto grupo já era muito. Eram vistos como politizados e com uma apurada consciência social.

Eram facilmente reconhecidos nas ruas. Boinas vermelhas, camisetas do Che Guevara e broches com uma estrela vermelha com a 16ª e 20ª letra do alfabeto inscritas eram o enxoval típico desse grupo. Ouvir aquelas pessoas falando era algo curioso. Apesar da verborragia política impressionar, algum conhecimento de história era suficiente para perceber que o discurso era meio embolorado, pois falava de luta de classes, da burguesia versus o proletariado, falava da ditadura, de repressão policial e outras coisas do passado. Mas era inegável que havia um brilho nos olhos daquelas pessoas. E para um povo tão carente de informação sobre política, era fácil acreditar que aquele modesto grupo talvez pudesse conhecer o caminho que nos livraria definitivamente do terceiro mundismo, da pecha de "país do futuro", do futuro que nunca chega.

Independente daquelas ideias fazerem sentido ou não, havia uma alternativa ainda não testada. Um homem do povo no poder? Interessante! Todos os quatro presidentes após João Batista Figueiredo, o último dos militares, não poderiam ser chamados de homens do povo. Um advogado, um ex-governador, um engenheiro militar e um ex-ministro da fazenda não encaixavam na moldura do típico trabalhador brasileiro, esses homens não representavam o povo.

Quando o ex-metalúrgico-sindicalista foi eleito, o sentimento era de que havíamos escolhido a pessoa certa para a cadeira de Presidente da República. Finalmente havia um homem do povo lá. Até então, ninguém havia achado estranho que o sindicalista radical que tantos queriam ver como presidente, teve que ser repaginado para a versão "paz e amor" para que a maioria dos eleitores quisessem votar nele.

Treze anos e duzentos e quarenta e três dias depois. Os grandes avanços na informática e nas telecomunicações revelaram aos olhos do mundo quem aquele sindicalista radical havia se tornado. Era natural que o primeiro sentimento de quem votou, torceu, fez campanha, distribuiu panfletos, balançou bandeiras e organizou passeatas fosse de negação. É fácil entender que o golpe foi duro para aqueles que o viam como a esperança de construir um novo país.

O avanço nas telecomunicações também atingiu as tevês e os jornais. Provavelmente todas aquelas acusações e condenações não passavam de um plano arquitetado pelos antigos donos do poder para retirar o povo do poder. Era difícil acreditar que o mote de campanha "o amor venceu o medo" havia se transformado na maior sequência de crimes contra o patrimônio público da história mundial.

Tirando aqueles que serão beneficiados direta ou indiretamente com a sua reeleição, o que sobra são brasileiros incrédulos, incapazes de superar o fato de que o amor não venceu o medo. Era o medo disfarçado de esperança. Há de se considerar que foi um duro golpe, no coração, eu diria, daqueles que o viam como um verdadeiro líder. O homem que colocaria, de uma vez por todas, o país nos trilhos da ordem e do verdadeiro progresso.

Decepcionados, com a criminalidade em alta e a economia em baixa, elegemos mais um radical em 2018. Dessa vez o escolhemos cru mesmo, sem ser repaginado, sem maquiagem, sem falsos sorrisos e sem marqueteiro. Isso só foi possível porque passamos a viver em um mundo onde nada é feito às escondidas na presença de um celular. Qualquer um de nós hoje é uma testemunha ocular mundial do que acontece. Filmamos desde assaltos à mão armada até cuecas cheias de dinheiro em 4K. E se quisermos, dá até para transmitir ao vivo.

Portanto não vejo o que sobrou da esquerda como uma massa homogênea de gente mau-caráter. Há sim, os que querem retomar as suas atividades "cabulosas", mas estes são poucos, embora poderosos. O restante é um povo magoado, traído, incrédulo e triste. Que ainda nutre a esperança de que alguém vai chegar com uma notícia bombástica ou uma explicação mirabolante para tudo que vimos nestes treze anos e duzentos e poucos dias de roubalheira e corrupção. A realidade ainda é muito dura para os apaixonados corações vermelhos.

Finalmente, esses quatro anos que esquerda ficará no poder poderá nos levar a dois caminhos. O primeiro e menos provável será a tentativa de limpar o próprio nome, de tentar convencer o povo de que tudo não passou de um mal-entendido, de um plano orquestrado pela oposição para manchar a imagem da alma mais honesta do Brasil. A segunda e mais provável, é que o grande acordo com o STF e com tudo, será retomado e as falhas que levaram ao desmonte do tal grande acordo sejam corrigidas.

Seja qual for o caminho que tomarem, passaremos quatro anos vivendo em um mundo irreal, onde a verdade é uma linda embalagem com uma podre mentira dentro.