quarta-feira, 27 de outubro de 2021

ISSO O CINEMA NÃO MOSTRA

A experiência de ir ano cinema consiste, basicamente, em entrar num ambiente escuro e temperatura adequada para que nossa atenção fique totalmente direcionada à tela onde será projetado o filme. Esse é a definição mais básica que consigo pensar sobre a experiência de ir ao cinema.

Como o ambiente precisa ser o mais imersivo possível, nada poderá tirar a atenção de quem está diante da tela. Assim, o ambiente é pensado com esse objetivo, para que a possibilidade de nos distrairmos com algo durante a exibição do filme seja o mais próximo do zero.

Portanto as duas palavras de ordem do ambiente são: conforto e foco.

Solucionadas as questões relativas a conforto e foco, celulares são desligados, colocados em modo avião ou simplesmente silenciados. 

O filme já vai começar.

Depois que todas as luzes são apagadas, a única luz visível é a projetada pela tela do cinema. Para entendermos o poder que a luz exerce sobre o homem, basta lembrarmos o quanto pessoas se aglomeram (ou se aglomeravam) ao redor do mundo para presenciar uma queima de fogos e do fascínio que cidades luminosas como Paris e Las Vegas exercem sobre nativos e turistas.

Do outro lado da tela, um exército de pessoas extremamente talentosas em suas funções, testadas diuturnamente e a exaustão acerca de suas capacidades, reúnem-se sob um orçamento bilionário com uma expectativa de retorno igualmente astronômica.

Se precisássemos convencer alguém de algo, essa seria a estratégia ideal. Aliás, não consigo pensar num ambiente mais propício para esta tarefa do que um cenário como esse.

É daí que surge a minha dúvida:

Desde que os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo, quantas vezes as pessoas já foram convencidas em massa de uma ideia? As estreias mundiais de filmes muito aguardados e sobre os quais já se fala há anos, leva uma quantidade expressiva de pessoas a ouvir e ver aquela estória ser contada num único dia. E o filme ficará em cartaz por dias e até semanas.

Se uma ideia qualquer precisa ser transmitida de forma palatável, nada melhor do que a belíssima embalagem de um filme tão aguardado por tantas pessoas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

A MOENDA DOS SONHOS

De férias em São Luís, minha cidade natal, ficamos hospedados no mesmo hotel onde estavam muitos garotos entre 12 e 17 anos, jogadores mirins de futebol em um clube pequeno, talvez uma escolinha, cuja intenção é prepará-los para, quem sabe, tornarem-se astros do futebol brasileiro.

Desde que chegamos, temos tomado nosso café da manhã fora do hotel. Hoje foi a primeira vez que escolhemos tomar café aqui mesmo e foi justamente quando percebi algo preocupante em relação a formação dos pretensos jogadores de futebol.

Alguns estavam andando pelo salão do café da manhã falando alto com os coleguinhas, todos com as camisas do clube na maior animação. Um deles, inclusive, estava se divertindo com um aplicativo de jogo de futebol no celular. Eu, que não estava numa mesa próxima, pude identificar rapidamente do que se tratava.

Esse cenário me lembrou, de imediato, a algazarra que eu fazia no fundo dos ônibus que eu andava junto com os colegas nos tempos de escola, uma lembrança boa de um tempo de inocência e empolgação juvenil.

Torço para que esses garotos brinquem e aproveitem bastante esse tempo até que passe para a maioria. Espero que nenhum deles esteja vivendo o sonho do pai, de ter sido um jogador de futebol de sucesso ou de ser pai de um jogador de futebol de sucesso. A versão masculina e brasileira daquelas mães de miss mirim norte-americanas que colocam suas filhas, cujas idades ainda cabem nas mãos, desfilando profissionalmente em passarelas para, no final, serem julgadas por traços de beleza ainda longe de estarem prontos.

Espero, sinceramente, que todos eles brinquem bastante durante esse tempo e que seus pais tenham o discernimento de deixá-los escolher o que vão fazer de suas vidas sem influenciá-los. Que os futuros professores, médicos, vendedores, engenheiros, caminhoneiros, psicólogos, agricultores, mecânicos e demais futuros profissionais escalados nesse time, não abdiquem dos seus sonhos para viver o sonho dos seus pais.

Os casos de sucesso na profissão de jogador de futebol estão muito mais relacionados a dedicação e sacrifícios pessoais do que ser fanático por um clube ou sonhar em viver uma vida de rei às custas do filho famoso.