quarta-feira, 19 de julho de 2023

ONDE FOI PARAR A VERDADE?

Passeando pelos "Shorts" do YouTube (já que por algum motivo totalmente desconhecido a Meta decidiu que eu não veria mais Reels em sequência), vi um vídeo curto de um senhor bem vestido, aparentemente dando uma palestra onde explica que a rede de fast-food McDonald's usa apenas um tipo específico de batata para toda a sua rede de lojas. A Russet Burbank, uma batata de corpo mais alongado que as demais batatas e muito difícil de serem cultivadas. A escolha dessa variedade específica está no apelo visual das batatas fritas saindo em forma de buquê de dentro da caixinha vermelha.
https://www.gurneys.com/product/potato-russett-burbank-2-lb
https://www.gurneys.com/product/potato-russett-burbank-2-lb

Ainda segundo o palestrante, o controle de qualidade da rede McDonald's é muito criterioso na aquisição das suas batatas, que não podem apresentar manchas. No entanto, é muito comum aparecerem manchas e pontos marrons nessa variedade de batata. Essas manchas, citadas no vídeo como net necrosis (necrose líquida, segundo o Google Tradutor), tiram o valor comercial das batatas para o McDonald's. O que traz um grande prejuízo ao produtor.

De acordo com o palestrante, para que as batatas nasçam sem essas manchas os fazendeiros utilizam um defensivo agrícola chamado Monitor. Esse defensivo agrícola é tão prejudicial a saúde que os funcionários das fazendas onde esse produto é usado são proibidos de percorrer a lavoura após sua aplicação.

Como achei um absurdo estarmos ingerindo um produto químico tão perigoso, fui atrás da confirmação dessas informações para saber se há um estudo sobre a toxicidade dos resíduos encontrados no produto final (a batata frita do McDonald's) e achei uma matéria no politifact.com - um desses sites que verificam fake news.

A matéria não fala especificamente do Shorts que eu vi no YouTube, fala de um vídeo publicado no Instagram e já retirado do ar, mas cita o Michael Pollan, o mesmo senhor que aparece no vídeo do Shorts, como o protagonista do vídeo no Instagram.
E o site faz as seguintes afirmações:
  • O vídeo do Instagram em questão foi marcado como parte de um esforço do Facebook em coibir notícias falsas e desinformação e por isso foi retirado do ar.
  • O defensivo agrícola em questão realmente impede a circulação de pessoas na lavoura de batatas pelos próximos 5 dias à sua aplicação.
  • A Bayer, fabricante do defensivo, solicitou o cancelamento do registro do defensivo em 2009 na Agência de Proteção ao Meio-Ambiente, órgão dos EUA provavelmente análogo ao IBAMA. E como o vídeo é de 2013, trata-se de informação falsa.
Esse é um exemplo bastante expressivo de como voltamos a nos tornar reféns da dúvida.

Antes das redes sociais se tornarem uma plataforma onde todos podem opinar e os celulares, combinados com planos de internet mais robustos, se tornarem uma agência de notícias de bolso, dependíamos da idoneidade de jornais, telejornais e revistas.

O boca-a-boca era respaldado apenas pela confiança do interlocutor. Se o telejornal dissesse o contrário virava fofoca.

Nesse tempo inocente, a idoneidade dos meios de comunicação era inquestionável, a frase "deu no jornal tal" era a confirmação de que se tratava de algo verdadeiro.

Hoje em dia, as agências de notícias independentes nos mostraram que, como toda empresa, os meios de comunicação sempre tiveram seus interesses particulares que, dependendo da notícia, transformavam um "sim" num "não" ou o "certo" no "errado" e vice-versa.

Destituídos do status de instituição ilibada e vendo a verdade ser escancarada em outros meios de comunicação independentes, a única saída foi inundar as redes sociais e sites de notícia com versões e mais versões dos fatos.

Mesmo não sendo de forma explícita, o que os meios de comunicação fazem hoje em dia segue a seguinte linha de raciocínio: "Já que eu não tenho mais credibilidade absoluta, ninguém mais a terá".

Então essa notícia das batatas envenenadas do McDonald's é cheia de lacunas:
  • O vídeo não fala que são 5 dias sem pisar na lavoura após a aplicação do produto, quem fala é o site de verificação.
  • Esse mesmo site que checou os fatos diz que a postagem é de 2013, mas não diz que a palestra foi gravada em 2013.
  • Segundo o site, a Bayer cancelou o registro do Monitor, mas não diz se as fazendas pararam de usar o mesmo produto de outros fabricantes.
  • O que é relevante para o consumidor de batata frita do McDonald's não é se o vídeo é antes ou depois do cancelamento do registro do produto, mas durante quanto tempo foi utilizado e quais os riscos à saúde dos consumidores.
  • Outro fato relevante para o consumidor é: existem outras redes de fast-food usando a mesma batata e o mesmo defensivo agrícola?
E assim as notícias vêm e vão, cheias de lacunas, de fatos distorcidos e de mudanças de foco.

Voltamos ao tempo em que a certeza da verdade não estava ao nosso alcance. A única diferença é que  hoje ela não está nas mãos de ninguém e ao mesmo tempo nas mãos de todos. Cada um com o seu fragmento.

Nos resta escolher nossa fonte de notícias, por algum tipo de afinidade ou relevância nas redes sociais, o que, nem de longe é garantia de fidelidade narrativa.

Mas não se anime!

Caso sua fonte se torne conhecida demais, influente demais ou tenha mais seguidores, mais likes, mais views, mais compartilhamentos ou mais engajamento que a média, será furiosamente mergulhado no brejo onde jazem, quase sem credibilidade, todos os meios de comunicação atuais.

Fontes:

quarta-feira, 12 de julho de 2023

ETARISMO: QUAL É A BRONCA?

Ficar velho está longe de ser a pior coisa da vida. É claro que a juventude, o saudoso tônus muscular de antigamente, o colágeno, a agilidade e a coordenação motora fina fazem falta. Mas isso está longe de ser uma reclamação, afinal tenho saúde, vitalidade e não tenho limitações físicas além da miopia que me acompanhou a vida toda. Sendo assim, esta não conta como limitação já que vejo o mundo através de lentes corretivas desde que me entendo por gente.

No entanto, é raríssimo encontrar pessoas que já passaram dos 40 ou 50 anos que nunca tenham sequer pensado ou dito algo parecido com: "Eu mais jovem (ou com x anos), com a cabeça que tenho hoje...", seguido de algumas observações sobre os diferentes rumos que dariam às suas vidas caso não fossem inexperientes ou imaturos demais para enxergar a má escolha que fizeram no passado.

Já digo logo, não vou entrar na discussão metafísica que essa ideia suscita. É óbvio que a maturidade vem com o tempo. Além disso, existem centenas de paradoxos temporais exaustivamente explorados no cinema e na literatura mostrando que a vida vivida é melhor que a vida sonhada. E obviamente eu seria um jovem muito estranho se isso fosse possível. Mas não é disso que se trata, eu é que divaguei um pouco, me desculpe.

Como o próprio título da postagem diz, não é sobre ficar velho, é sobre como os "enta" são tratados pelos mais jovens.

Para quem não sabe, "enta" é qualquer pessoa que já passou dos 39 anos de idade. Desse ponto em diante o sufixo "enta" fará parte da sua idade.

Quando avançamos além dessa fronteira etária, o mundo parece querer revogar automaticamente tudo que sabemos sobre tecnologia, serviços e até mesmo sobre a linguística, principalmente em seus aspectos semânticos e sociais. Eita! Divaguei de novo, foi mal.

O que acontece é que, de uma hora para outra, parece que desaprendemos a lidar com tecnologias. Nossos celulares são arrancados de nossas mãos por parentes e atendentes por acreditarem que somos incapazes ou lentos demais para lidar com a tecnologia atual.

Em outras situações pedem para digitarmos em (e até apontam) teclados virtuais que já estão diante de nós. Nos mostram em qual lugar da "maquininha" devemos aproximar nossos cartões (mesmo com o símbolo aparecendo na tela ou impresso no corpo da máquina) e demais "gentilezas" do mesmo naipe.

Há também o etarismo físico, mais comum nos homens: são passageiros cedendo lugar em transportes públicos, e pessoas fisicamente mais fracas que eu voluntariando-se para carregar bolsas e sacolas, quando eu as carregaria junto com as bolsas e as sacolas se fosse necessário. Mas esse é menos grave, pois tem a ver com a ignorância alheia sobre a força e a resistência física dos mais velhos.

Saiba que não sou contra assentos preferenciais nem acho errado o sentimento piedoso de simpatia para com os idosos. A subestimação que é o problema. As pessoas se dirigem a nós com uma irritante paciência disfarçada de gentileza. Falam conosco como se estivéssemos acabado de chegar à terra vindo do planeta "Velhurno" e não conhecêssemos as tecnologias nem como interagir com os terráqueos.

Existe uma força invisível tentando nos afastar da vida cotidiana, roubando páginas dos nossos papéis na sociedade, querendo nos convencer que agora existe um narrador contando a nossa história em terceira pessoa.

Nossas habilidades não estão cristalizadas no passado, estamos acompanhando a evolução do mundo e somos plenamente capazes de lidar com eles. Não existe essa ideia de que estranhamos as novas tecnologias.

E a pergunta é essa mesmo: "Qual é a bronca?" Essa era a pergunta que meu pai fazia em casa, e provavelmente no trabalho, quando algo precisava ser resolvido por ele. Carrega a ideia de resolutividade. Quem usa essa expressão veio para resolver, não para tentar. Típico da minha geração.