quarta-feira, 12 de julho de 2023

ETARISMO: QUAL É A BRONCA?

Ficar velho está longe de ser a pior coisa da vida. É claro que a juventude, o saudoso tônus muscular de antigamente, o colágeno, a agilidade e a coordenação motora fina fazem falta. Mas isso está longe de ser uma reclamação, afinal tenho saúde, vitalidade e não tenho limitações físicas além da miopia que me acompanhou a vida toda. Sendo assim, esta não conta como limitação já que vejo o mundo através de lentes corretivas desde que me entendo por gente.

No entanto, é raríssimo encontrar pessoas que já passaram dos 40 ou 50 anos que nunca tenham sequer pensado ou dito algo parecido com: "Eu mais jovem (ou com x anos), com a cabeça que tenho hoje...", seguido de algumas observações sobre os diferentes rumos que dariam às suas vidas caso não fossem inexperientes ou imaturos demais para enxergar a má escolha que fizeram no passado.

Já digo logo, não vou entrar na discussão metafísica que essa ideia suscita. É óbvio que a maturidade vem com o tempo. Além disso, existem centenas de paradoxos temporais exaustivamente explorados no cinema e na literatura mostrando que a vida vivida é melhor que a vida sonhada. E obviamente eu seria um jovem muito estranho se isso fosse possível. Mas não é disso que se trata, eu é que divaguei um pouco, me desculpe.

Como o próprio título da postagem diz, não é sobre ficar velho, é sobre como os "enta" são tratados pelos mais jovens.

Para quem não sabe, "enta" é qualquer pessoa que já passou dos 39 anos de idade. Desse ponto em diante o sufixo "enta" fará parte da sua idade.

Quando avançamos além dessa fronteira etária, o mundo parece querer revogar automaticamente tudo que sabemos sobre tecnologia, serviços e até mesmo sobre a linguística, principalmente em seus aspectos semânticos e sociais. Eita! Divaguei de novo, foi mal.

O que acontece é que, de uma hora para outra, parece que desaprendemos a lidar com tecnologias. Nossos celulares são arrancados de nossas mãos por parentes e atendentes por acreditarem que somos incapazes ou lentos demais para lidar com a tecnologia atual.

Em outras situações pedem para digitarmos em (e até apontam) teclados virtuais que já estão diante de nós. Nos mostram em qual lugar da "maquininha" devemos aproximar nossos cartões (mesmo com o símbolo aparecendo na tela ou impresso no corpo da máquina) e demais "gentilezas" do mesmo naipe.

Há também o etarismo físico, mais comum nos homens: são passageiros cedendo lugar em transportes públicos, e pessoas fisicamente mais fracas que eu voluntariando-se para carregar bolsas e sacolas, quando eu as carregaria junto com as bolsas e as sacolas se fosse necessário. Mas esse é menos grave, pois tem a ver com a ignorância alheia sobre a força e a resistência física dos mais velhos.

Saiba que não sou contra assentos preferenciais nem acho errado o sentimento piedoso de simpatia para com os idosos. A subestimação que é o problema. As pessoas se dirigem a nós com uma irritante paciência disfarçada de gentileza. Falam conosco como se estivéssemos acabado de chegar à terra vindo do planeta "Velhurno" e não conhecêssemos as tecnologias nem como interagir com os terráqueos.

Existe uma força invisível tentando nos afastar da vida cotidiana, roubando páginas dos nossos papéis na sociedade, querendo nos convencer que agora existe um narrador contando a nossa história em terceira pessoa.

Nossas habilidades não estão cristalizadas no passado, estamos acompanhando a evolução do mundo e somos plenamente capazes de lidar com eles. Não existe essa ideia de que estranhamos as novas tecnologias.

E a pergunta é essa mesmo: "Qual é a bronca?" Essa era a pergunta que meu pai fazia em casa, e provavelmente no trabalho, quando algo precisava ser resolvido por ele. Carrega a ideia de resolutividade. Quem usa essa expressão veio para resolver, não para tentar. Típico da minha geração.

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