quinta-feira, 19 de outubro de 2023

É BOM SER CANHOTO?

A década de 70 havia começado há apenas 190 dias quando eu vim ao mundo. Felizmente, nessa época, os pais e professores já não obrigavam mais os filhos a usar a mão direita, isso era coisa do passado.

Embora na minha juventude eu tenha conhecido pessoas que haviam sido obrigadas a usar a mão direita na sua fase escolar, essas pessoas eram mais velhas que eu e foram educadas em outra época. Eram tempos com menos conhecimento, e as crianças apenas seguiam as ordens dos mais velhos sem questionar. Enfim, eram tempos mais duros para as crianças.

Então eu cresci canhoto de braços e pernas. Quando ia escrever, era com a mão esquerda, na hora da bola, do futebol no campinho, o chute só saia com a perna esquerda. A direita não servia nem para dar um passe decente no futebol. Como o jogo era descalço, era comum eu voltar para casa com o pé direito mais limpo que o esquerdo.

Somente na escola eu comecei a sentir alguma dificuldade em ser canhoto. O problema não apareceu nos primeiros anos escolares, afinal sentávamos numa pequena mesa redonda no jardim de infância e quando começamos a sentar em fileiras, as carteiras eram de dois lugares.

Mas isso só durou até os três primeiros anos do que se chamava naquela época de primário. Nos anos seguintes, as carteiras seguiram individuais até o final do ensino médio (antigo segundo grau) e eu tive que me adaptar.

Apesar de ser uma ótima escola, estávamos vivendo os primórdios da administração. Informações dessa natureza sobre os alunos não eram levadas em consideração. A escola distribuía algumas poucas carteiras para canhoto em algumas salas, mas era muito raro eu sentar em uma. Até porque, essa era uma descoberta que acontecia no primeiro dia do ano letivo. Se não havia carteiras para canhotos na sala naquele ano, essa seria a realidade até o ano letivo seguinte.

Com o passar dos anos eu desisti da carteira para canhoto e me adaptei ao uso da carteira para destro. Naquela época, o tampo pequeno obrigava os canhotos a ficarem levemente curvados para a direita para escrever sobre a carteira.

Mas isso não me causou prejuízo nem a curto ou a longo prazo. Naquela época de tantas descobertas, ficava tão inquieto fisicamente quanto mentalmente. Era preciso fazer muito esforço para prestar atenção na aula com o mundo acontecendo à minha volta.

Com o passar do tempo eu descobri que meu hiperfoco só acontece no silêncio. Qualquer música ou conversa rouba a minha atenção completamente. Dependendo da intensidade do ruído, seja conversa, música ou obra, o máximo que eu consigo é um foco intermitente ou de baixa qualidade. Imagine então naquela época, na companhia de dezenas de adolescentes como eu?

Então era mais fácil ficar com o fundilho da calça polido de tanto sambar na carteira olhando para todas as direções, do que com algum tipo de dor física por estar usando uma carteira para destro. Naquela época eu não sabia o que era ficar dolorido depois de horas sentado na cadeira.

Mão esquerda suja de grafite
Uma outra coisa que ficava com o aspecto polido era a parte externa da mão esquerda até o dedo mindinho. Esse ficava grafitado! Os canhotos, em sua maioria, apoiam a mão sobre o que acabaram de escrever. E como o uso do lápis era frequente, essa parte da mão ficava com um tom cinza-prateado.

Eu nunca tive a curiosidade em saber mais sobre ser canhoto. Só sei que os hemisférios cerebrais têm suas funções trocadas e só. Atividades que exigem o uso das duas mãos como os teclados de computadores e a condução de veículos são aprendidas com a mesma facilidade que os destros, não há vantagem ou desvantagem.

Só tem uma coisa que me incomoda. É quando eu estou usando uma ferramenta ou realizando alguma atividade manual mais complexa perto de um destro ansioso que confunde a minha habilidade com a minha mão esquerda com a (falta de) habilidade da mão esquerda dele.

Eu normalmente interrompo o que estou fazendo e cedo a vez ao destro. Não adianta explicar que um canhoto é tão hábil quanto um destro, ele já foi vencido pela crença de que o motivo da aflição dele é porque eu uso a "mão errada" ou estou fazendo tudo "trocado".

Com o tempo, nossas habilidades se expandem e o nosso lado direito se desenvolve. Não tanto quanto o esquerdo, mas como um coadjuvante aprimorado e e cada vez mais útil nas tarefas do dia-a-dia. Se tenho um lado direito em mim, este permanece no âmbito dos pensamentos para evitar conflitos desnecessários.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente com liberdade e bom siso