segunda-feira, 2 de outubro de 2023

SEM CAFÉ, SEM MEIAS

As manhãs para mim são sempre um desafio. Eu sempre preciso acordar mais cedo, cerca de meia hora antes de levantar para que as coisas comecem a fazer algum sentido. Do contrário sou capaz de situações como colocar a água na cafeteira e esquecer de colocar o pó de café.

Eram cinco e meia da manhã e o despertador tocou impiedosamente anunciando o início de mais um dia de trabalho. Nem o sol havia decidido levantar-se ainda e eu, ainda meio sonolento, dei bom dia para minha mulher e corri para o chuveiro - o único lugar capaz de espantar aquela sensação de "corpo andando pela casa e alma na cama".

No entanto, uma batalha mental estava prestes a começar, e eu não fazia a menor ideia.

Após um banho levemente frio, o ritual matinal transcorreu sem maiores percalços. Barba, dentes, desodorante, perfume e marchei, determinado, rumo ao guarda-roupa para escolher uma roupa decente. Tudo estava indo bem até chegar aos pés. Quando abri a gaveta onde as minhas meias habitualmente dividem espaço com as minhas cuecas, parecia que eu havia aberto a gaveta do Bozo.

Não que eu estivesse surpreso com as minhas meias de cores vibrantes. Acontece que eu não poderia ir ao trabalho com nenhuma daquelas meias. Não queria correr o risco de me sentar em alguma poltrona baixa e revelar uma meia preta cheia de alienígenas verdes ou uma meia listrada de vermelho amarelo e roxo. E essas são as mais discretas.

Já as minhas meias sociais, as escolhas óbvias para aquela circunstância, estavam todas desacompanhadas dos seus respectivos pares. Haviam se evaporado como se tivessem se divorciado dos seus cônjuges e ido embora de casa. Ou como se tivessem sido levadas através da plataforma 9 ¾ na estação King's Cross a fim de libertar um grupo de Elfos domésticos no universo de Harry Potter.

Minha mulher é uma pessoa muito organizada. Ainda não havia passado um ano de casamento quando ela me "presenteou compulsoriamente" com uma daquelas colmeias de organizar meias e cuecas. Só que nos nichos daquela colmeia não havia sequer um pé cinza escuro e outro preto de meias sociais para cogitar tal possibilidade. Eram apenas meias pretas e brancas solitárias em seus nichos. Era isso ou algum par das minhas meias nada discretas.

Percebendo que aquela decisão poderia me fazer perder minutos importantes, fui para a cozinha, me servi do café e me sentei à mesa para o habitual desjejum com a minha esposa enquanto decidia o que separaria meus pés do couro do sapato.

Foi aí que eu descobri, na prática, os benefícios do café quando se trata de estimular o raciocínio e a memória. Me vi fazendo parte da legião de pessoas que dizem só acordar após tomar café.

Há dois dias, em pleno sábado de arrumação e lavagem de roupa, peguei as meias que a minha mulher havia deixado sobre a cama para eu guardar e, por preguiça na pressa, coloquei os pés em nichos diferentes. Com o cérebro, ainda esquentando as válvulas como as antigas tevês de tubo, não me dei conta de que se tratava de pés de meias iguais guardados em nichos diferentes.

Sorri de mim mesmo discretamente enquanto tomava mais um gole de café. Talvez tentando esconder o riso atrás da caneca, ou quem sabe aproveitei o gesto de soprar o café para conter a risada.

Passada a vontade de dar uma gargalhada, olhei para a minha mulher com um resto de sorriso no rosto e disse: 

Bom dia, amor. Acabei de acordar!

Aluguei essa quitinete da mente dela e segui com a vida.

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