domingo, 24 de julho de 2022

ARTE X ENTRETENIMENTO

Segundo o dicionário Oxford, arte é habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional. Ou o conjunto de meios e procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica.

Partindo simplesmente das duas definições do dicionário, podemos observar que, na primeira, a arte é realizada de forma consciente, e na segunda, que a arte envolve técnica.

Sendo assim, podemos entender que arte demanda trabalho, concentração, prática, técnica e estudo. O dom tem mais relação com uma responsabilidade a ser assumida e aprimorada do que com um privilégio a ser usufruído.

Uma pessoa com aptidão para o canto, por exemplo, precisa treinar, praticar e estudar para aprimorar o seu canto. É justamente por ter uma boa voz que essa pessoa precisa de todo esse investimento. Quem não nasceu com uma voz tão boa, vai aprender as mesmas técnicas, vai estudar e praticar, mas não alcançará o mesmo virtuosismo.

Um exemplo famoso deste último caso é o Chico Buarque, muito mais talentoso compositor do que intérprete de suas próprias canções. Ciente das limitações da sua voz, desenvolveu técnicas a fim de compensar seu pouco tônus vocal. Ao contrário de Elis Regina, uma voz potente e afinada, apesar do cigarro, que não era compositora, mas fazia interpretações magistrais das canções que lhes eram confiadas.

Uma outra característica da arte é o embevecimento, ninguém entra na capela sistina e fica conversando sobre o tempo e o preço da gasolina. A não ser que tenha entrado lá por acaso e não olhou para cima ou intencionalmente não pretendia prestar atenção nos afrescos do teto.

É seguindo essa lógica que podemos entender porque as letras do Chico Buarque e as interpretações da Elis Regina não são as primeiras opções de música em um bar. A não ser que seja um bar temático, as músicas de artistas como esses nos levam a ficar contemplativos. E quem está contemplativo não bebe e nem come.

Para o dono de bar, a melhor música é aquela que faz o cliente consumir. Ele não está interessado em poesia, rima ou métrica, o propósito do bar é vender. De olho nesse mercado nada exigente, pessoas muito astutas criaram um tipo de entretenimento sonoro que nada tem a ver com arte.

Apesar de estarmos falando da música, esse raciocínio também serve para a literatura, as artes plásticas ou o teatro.

Para saber se estamos diante de arte ou entretenimento, basta observar o seguinte: quando não há arte é preciso criar outros estímulos para prender a atenção do espectador. Na literatura, são os livros que ganham notoriedade após virarem filmes. Nas artes plásticas são as pinturas que ganham notoriedade após serem compradas por alguma celebridade. E no teatro são as peças teatrais que, por exemplo, abusam do nu e do palavrão sem contexto para despertar a curiosidade em vez das emoções da plateia.

Na música não é diferente. Os shows de entretenimento sonoro consomem um aparato de efeitos visuais muito maior do que quando há um artista se apresentando. Sob o pretexto de "criar uma atmosfera" ou uma "experiência sensorial", desvia-se a atenção do público para efeitos visuais como lasers, telões ou pirotecnia.

Mesmo em shows de rock, onde os efeitos visuais são comuns, quando há arte, os efeitos apontam para os artistas ou para a música que está sendo executada, como as explosões na hora do refrão, ou na parte mais contundente da letra, por exemplo.

Quando se trata de entretenimento sonoro, os efeitos visuais visam demonstrar grandeza e sucesso financeiro. O objetivo é convencer a audiência de que, se há dinheiro para uma produção caríssima, é porque são bem sucedidos, e se são bem sucedidos devem ser bons mesmo. É sob essa estratégia que temos hoje shows de entretenimento sonoro com produções caríssimas sem nenhum compromisso com a arte.

É por isso que o ritmo de shows é frenético: ao mesmo tempo precisa bancar uma produção caríssima, por não ser arte, o auge se torna um lugar efêmero e escorregadio.

E é por isso que os bares preferem o entretenimento sonoro. Ninguém está extasiado com a letra, nem admirado com a bela voz do cantor ou com o virtuosismo dos músicos. Até porque não há letra, voz ou virtuosismo a ser apreciado. Como a banda não está presente com sua produção milionária, é só o áudio, sobram apenas as tristes histórias de traição ou bebedeira contada em rimas pobres e em altíssimo volume.

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