terça-feira, 19 de julho de 2022

NEOLOGISMO SEMÂNTICO

A língua portuguesa é a nossa ferramenta de representação dos nossos pensamentos, ações e interações com os outros falantes da nosso idioma. Sua transformação está condicionada à nossa evolução social. O vocábulo "você", evolução sociolinguística da expressão vossa mercê, é um bom exemplo dessa transformação.

Outros exemplos de neologismo semântico é quando seu chefe fica uma "arara" sem se transformar em uma ave, ou quando seu vizinho faz um "gato", mas não gera um felino sequer.

A dicionarização desses neologismos semânticos não aconteceu da noite para o dia, pelo contrário, suas raízes históricas são profundas, algumas perdidas para sempre por falta de registro ou porque sua história é puramente oral.

Outras, conhecidas, de vez em quando, ganham as redes sociais com sua natureza semântica modificada, geralmente apontando para temas sensíveis, objetivando engajamento, publicidade, interação, visualizações, etc. Não há compromisso em informar apenas em dar às plataformas, tão desinformadas quantos os que comentam, a falsa impressão que aquela discussão interminável é edificante ou produtiva.

Uma das mais famosas é a expressão "nas coxas". Dizer que algo foi feito "nas coxas" nunca teve qualquer conotação racista. Imagine quão curta seria a carreira de um construtor no período em que a escravatura era legalizada, ao tentar construir um telhado com telhas das mais variadas medidas de comprimento, largura e concavidade. A expressão realmente significa algo feito sem capricho, mas somente porque está apoiado nas coxas, sem firmeza.

A dicionarização de palavras ou expressões com significados diferentes do original está condicionada à sua popularização, uma evolução natural sem motivação política ou finalidade remediativa.

A língua portuguesa não é o foro mais inteligente para reparar questões sociais, culturais, étnicas ou de gênero. Veja o caso da expressão fazer um "gato" citada no segundo parágrafo. Especula-se que pode ter relação com gatuno, com o próprio gato como um animal capaz de furtar comida ou com a expressão "o pulo-do-gato", a menos provável.

E ainda há a explicação dos moradores da cidade portuguesa de Coimbra. De acordo com os mais antigos, a expressão tipicamente brasileira "fazer um gato" pode ter ligação com o trabalho de remendar um vaso de cerâmica quebrado. Os ceramistas que fazem esses remendos imperceptíveis são chamados de gatos. E assim como um vaso remendado retoma a aparência de estar intacto, a ligação clandestina de energia elétrica ou de internet aparenta ser legítima.

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